data-filename="retriever" style="width: 100%;">Meu pai sempre deixou bem claro que gostava mais do ano novo do que do Natal. Questão de temperamento ou motivos cristalizados na sua infância, não gostava do Natal. Também não era de frequentar igreja. Minha mãe acompanhava sua opinião. Mas a gente tinha a entrega de presentes e os protocolares cumprimentos. Vez por outra, minha irmã puxava uma reza.
Muitas vezes, devido ao orçamento apertado, ganhei sapatos, roupas e material escolar ao invés dos presentes que realmente eu gostaria de receber. Era uma época dura. Meu pai levou anos a fio para construir a casa. E eu não reclamava. Pois entendia o sacrifício. Mas ficava chateado. Minha avó Olina sempre dava presentes do meu agrado.
Anos depois, quando comecei a namorar quem viria a ser minha mulher, passei a ter uma ideia diferente do Natal. Morava junto dela sua vó Elvira Grau, com mais de 80 anos, viúva do saudoso maestro e compositor Oscar Grau, hoje nome de escola municipal em nossa cidade. Luterana, como Edith, minha sogra. Minha sogra tocava órgão aos domingos no culto da igreja luterana de Santa Maria, a primeira igreja alemã do Brasil a ter sinos em sua torre.
Na noite de Natal, o coral da igreja luterana visitava a casa dos mais idosos da comunidade alemã. E entoava lindas canções em alemão. E faziam orações. Minha sogra partilhava com os visitantes cucas, doces feitos com esmero, habilidosa doceira que era. Eles comiam rapidamente, pois tinham de cantar em muitas casas e a noite era curta.
Vera Maria, inspirada na educação dada pela mãe, sempre cuidou muito da festa de Natal em nossa casa. Muitos dias antes da data ela fazia bolos, doces, cucas. Ficaram famosas as bolachas em forma de estrela com recheio de goiabada, que até hoje ela faz e que tanto sucesso tem no meio de todos. Nossos filhos sempre tiveram pinheirinho, presentes, guirlanda na porta da casa e, quando bem pequenos, até Papai Noel visitava nossa casa. Foram anos felizes.
Não fui um pai perfeito. Fui o pai que eu sabia ser. Mas sempre fui trabalhador. Dava aulas na UFSM. Nos cursinhos. Fazia palestras. Às vezes, falava mais do que 10 horas por dia. As crianças puderam ter sempre alimentação farta. Frequentaram os melhores clubes. Pude lhes dar cursinho pré-vestibular de excelente qualidade. Passaram no vestibular no primeiro exame feito. Entregamos ao mundo uma fonoaudióloga, uma fisioterapeuta e um assistente social. Claro, a virtude da formatura é devida ao talento e esforço deles. Certamente não tivemos ingerência alguma, pois se tivessem nascido em outra casa e com outros pais também teriam alcançado o mesmo êxito. O mérito é deles. Colaboramos com o suporte, a retaguarda e o incentivo.
Nesta noite de Natal de 2019 vamos ter a ventura de reunir toda a família: os três filhos, genros, nora, os seis netos e mais alguns amigos queridos. Minha neta Amanda está se formando em Engenharia de Produção pela UFSM, minha primeira neta com curso superior! E meu neto Tarso está passando para o quinto ano de Medicina! Ambos na gloriosa UFSM, onde eu e minha mulher nos formamos e onde eu trabalhei por cerca de 40 anos! Estarão juntos a Julia, Tiago e e Joãozinho, meus três netos que fazem o Ensino Médio ainda. E a sexta neta, Bethânia, com 3 anos, já fazendo a "escolinha" no Colégio Sant'Anna.
Como sempre fazemos, vamos apenas agradecer. Não pediremos nada para nós. Mas vamos pedir pela saúde dos nossos filhos e netos. E rezar pelas almas dos parentes falecidos. E na santa ceia que faremos, recordaremos muito dos natais antigos. E nosso tempo de crianças. Quando, tementes a Deus, honrávamos pai e mãe. Sem jamais erguer a voz para eles. Quanto mais criticá-los.
E certamente - entre foguetes e músicas que entrarão pela janela - lembraremos dos cânticos alemães da vó Elvira. E dos cabelos loiros e olhos azuis da vó Olina. Era uma época em que a gente era muito feliz.
Mas devo dizer que, passados 53 anos de casamento, mesmo atravessando tantas tempestades, perda de entes queridos, decadência natural do vigor físico natural da idade, ansiedade diante do desconhecido, consegui formar uma família sólida e unida. E muitíssimo feliz.
E preciso confessar publicamente, para que todos saibam, que só consegui isso graças à Vera Maria, sobre o alicerce da qual repousa a fortaleza de toda a nossa família. Ela é a figura mais importante de todos nós. Só cheguei aos 77 anos porque ela me cuidou, sem ela seguramente eu já teria morrido. E a coisa que mais tenho medo é que ela morra antes de mim.
É uma esquisita declaração de amor nesta crônica de Natal, eu sei!
Mas esse é meu presente de Natal, Vera Maria!